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Suicídio - conhecer para prevenir



Yu-Gi-Oh! provoca polêmica no Chile após suicídio de crianças

No dia 23 de setembro de 2003, Patricio Mieres, de 13 anos, foi encontrado asfixiado no banheiro, pendurado por um barbante no cano do chuveiro. Dezessete dias depois, Camilo Latrach, de apenas 9 anos, suiciou-se por enforcamento ao prender uma camiseta a um beliche. Em comum, além de morarem no distrito de Valparaíso, no Chile, as duas crianças eram fanáticas por Yu-Gi-Oh!, série de desenhos animados japoneses que se tornou uma epidemia com o lançamento de um jogo de estratégia em forma de "cards", disputados a tapa por jovens de vários países. Os desenhos são exibidos no Brasil pela Globo e no Chile pelo canal Mega, e no canal a cabo Nicklodeon em ambos os países.

Alunos exemplares de famílias bem-estruturadas, Patricio e Camilo eram aficcionados pelos desenhos da TV, e passavam várias horas do dia às voltas com as figurinhas, como muitas outras crianças da sua idade. Os cards originais custam os olhos da cara, e as crianças não hesitam em torrar a mesada comprando figurinhas em versões piratas e grosseiras, à venda em qualquer banca de jornal. Cada personagem retratado nas cartas - em geral, monstros, demônios e outros seres assustadores - possui poderes variados, que são confrontados em calorosos duelos entre os jogadores, especialmente quando há cartas raras e "poderosas" em disputa.

A morte dos meninos causou comoção no Chile, pois foram diretamente associadas à excessiva paixão com que eles se dedicavam ao universo imaginário do Yu-Gi-Oh!. Fãs do jogo em todo o país se manifestaram a favor do seu passatempo predileto, refutando a tese de que a atração nipônica possa ser nociva. Para os familiares, as crianças poderiam ter sido influenciadas por uma espécie de ritual macabro associado ao jogo: com a morte de 13 "personagens" enforcados, eles ressuscitariam com poderes amplificados. Com esta intenção, as crianças poderiam ter, acidental ou propositalmente, se enforcado para que pudessem renascer com mais e maiores poderes. Segundo a mãe de Patricio, no dia anterior à morte o garoto estava feliz por ter conseguido a "carta do enforcado", que seria uma das mais difíceis de conseguir.

Com o reaquecimento da discussão sobre o impacto da televisão em crianças e jovens, a deputada chilena Laura Soto encaminhou um projeto de lei à Câmara para que a Secretaria Geral de Governo solicite a suspensão da exibição do desenho Yu-Gi-Oh! ao Conselho Nacional de Televisão do Chile. A deputada também defende a retirada das figurinhas do mercado. "Tudo indica que os menores se enforcaram com a idéia de ressuscitar depois e conseguir superpoderes. Essa versão foi confirmada por colegas de colégio. O mínimo que se pode pedir é que a televisão se posicione e faça um levantamento psicológico do impacto do desenho sobre as crianças. Estamos muito preocupados, pois se estes dois garotos perderam a vida ao se expor a um jogo, outras mortes podem acontecer", ressaltou a deputada Laura Soto.

Longe do tom alarmista, as autoridades chilenas declararam não haver associação entre os suicídios e o jogo. Segundo apurou a reportagem do Caderno 2, por Marcelo Migliaccio, no Estado de S. Paulo de 3 novembro de 2003, especialistas do Serviço de Saúde chileno afirmaram não haver nenhum indício de que o Yu-Gi-Oh! possa ter induzido as crianças ao suicídio.

As informações sobre o assunto foram fornecidas ao MIDIATIVA pelo Conselho Nacional de Televisão do Chile.

CRIANÇA E CONSUMO: O QUE FAZER?

"Antes de se preocuparem com seus filhos, os pais deveriam olhar para o próprio consumismo", opina o psicanalista Tales Ab´Sáber. Segundo ele, a necessidade de procurar a felicidade no consumo "está na alma dos pais, não na das crianças". Tales dá como exemplo a febre dos Pokémons, que preocupou muitos pais: "As crianças faziam Pokémons de barro, de papel, usavam a imaginação. Elas sonham para além do fetiche", explica.

Tales alerta também para que os pais não subestimem seus filhos: "As crianças não são burras, e em geral escolhem objetos criativos e inteligentes". Segundo ele, apenas não se deve usar brinquedos como babás, "especialmente os videogames, que criam habilidades vazias, ocupam o imaginário de forma abstrata e não passam de uma repetição sem fim".

Já a psicanalista Ana Cristina Olmos, presidente da ONG TVer, acredita que o maior problema não são necessariamente os jogos, que até podem transmitir conteúdos, mas o ritmo dos desenhos atuais: "O excesso de estímulo desses desenhos não permite que a criança desenvolva conexões e pensamentos. A relação entre os múltiplos fatores, tão rápida e superficial, não é um bom alimento pedagógico. Os desenhos deveriam ter um ritmo mais próximo da vida das crianças", argumenta.

Mas e a instigação ao consumo nos jovens? Para o publicitário Geraldo Leite, fundador da Singular Arquitetura de Mídia, é natural que o mundo dos adultos tenha reflexos sobre o das crianças. "Não se pode fazer uma redoma em torno delas", afirma, lembrando que elas estão no processo de se tornarem adultos. Por outro lado, ele concorda que trata-se de um público especial: "As crianças são mais vulneráveis, e exigem mais responsabilidade no trato". Ele também não vê na mídia a única responsável pela indução ao consumo. "O estímulo está nas lojas, nos shoppings, na escola, nos lugares que ela freqüenta", diz.

Mas como sair do círculo vicioso "desenho que leva ao brinquedo, que leva ao desenho?" Quem dá a dica é Tales Ab´Sáber: "As crianças têm potencial para seguir caminhos diferentes dos nossos. Elas experimentam muito mais que os adultos. Alimente-as com histórias, reflexões e pensamentos. Estimule-as com coisas novas. E aproveite para aprender, com a ajuda da liberdade delas, a reconstruir a você mesmo".

DE POPEYE A YU-GI-OH!

A descoberta de que as crianças podem influenciar nas decisões de compra dos pais é relativamente recente. "Antigamente os anunciantes procuravam atingir diretamente as mães", explica Geraldo Leite. Não mais: hoje fala-se diretamente com a criança, por meio de revistas em quadrinhos e programas infantis de TV.

Em meados de 1998, o desenho animado Pokémon abriu uma nova tendência: séries de TV construídas em torno de um produto (no caso, jogos para videogame). Desde que Popeye foi criado para ajudar a popularizar o espinafre não se via uma relação tão estreita entre o que era mostrado na TV e o que podia ser encontrado (comprado?) na vida real.

Em Pokémon, o personagem principal era um garoto que colecionava "monstros de bolso" (a palavra Pokémon é originada das palavras inglesas "pocket" e "monster"). Quando necessário, ele colocava seu monstrinho favorito, Pikachu, para lutar contra outros Pokémons. Curiosamente, este era exatamente o papel que o jogador representava nos videogames da série - um colecionador de monstrinhos.

A receita é seguida à risca nos desenhos mais recentes. BeyBlade gira em torno de disputas entre jogadores de piões - os mesmos que são vendidos nas lojas de brinquedos. E em Yu-Gi-Oh! os personagens usam "cartas mágicas" para derrotar os baralhos usados por seus adversários - jogo esse que pode ser facilmente simulado com os "cards" importados ou com as figurinhas, "pirateadas" e cheias de erros de português, que podem ser encontradas em bancas de jornal.

Fonte: Midiativa - 2003
http://www.midiativa.tv/index.php/midiativa/content/view/full/403/

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