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Suicídio - conhecer para prevenir



Entrevista com Milton, coordenador de divulgação do Centro de Valorização da Vida

Prevenindo o Suicídio

Em entrevista a PLANETA (à repórter Fátima Afonso), o coordenador de divulgação do Centro de Valorização da Vida (que prefere ser identificado apenas pelo primeiro nome, Milton) fala das origens do grupo e mostra como funciona o seu trabalho de prevenção ao suicídio.

PLANETA – O Centro de Valorização da Vida (CVV) foi fundado em 1962, em São Paulo, como um programa de prevenção ao suicídio. Quem foram os seus criadores e o que os levou a isso?

Milton – Esse serviço nasceu com um grupo de pessoas que estavam preocupadas com o suicídio; elas tiveram a informação de que o número de suicídios estava aumentando, principalmente nas grandes metrópoles.

PLANETA – Não se dá nome aos fundadores do CVV?

Milton – Não. Preferimos manter os voluntários no anonimato. Primeiro, porque existe o sigilo como característica do trabalho, e depois para nos resguardarmos do aspecto personalista, que sempre é tentador.

PLANETA – Os Samaritanos – um grupo inglês semelhante ao CVV – foi fundado depois da Segunda Guerra. Os suicídios, nesse caso, tinham a ver com a realidade pós-conflito?

Milton – Durante a guerra, havia poucos suicídios; depois da guerra é que começou a ocorrer um aumento no índice de suicídios. O fundador dos Samaritanos, Chad Varah, especializou-se em psicologia e, inicialmente, trabalhou oferecendo seus serviços, atendendo, voluntariamente, pessoas que tinham problemas psicológicos. Mais tarde, ao perceber que a quantidade de pessoas que vinham lhe procurar estava aumentando, pensou em contar com o auxílio de voluntários que fizessem sala para aqueles que o esperavam enquanto fazia as entrevistas. E começaram a ocorrer fatos interessantes. Por exemplo, muitas vezes, quando Varah terminava uma entrevista, a pessoa que devia estar aguardando para ser atendida já se tinha ido. Ao perguntar aos voluntários o que estava acontecendo, disseram-lhe que, após a conversa com elas, se sentiam muito bem e iam embora. Assim, perguntou à equipe o que, afinal de contas, tinham feito, já que haviam combinado, a priori, que não iriam interferir em seu trabalho. Os voluntários disseram: “Continuamos mantendo essa posição. Quando a pessoa começa a nos contar seus problemas, nós as ouvimos atentamente. E, de repente, ela diz que está se sentido bem e se vai.” Chad percebeu, então, o quanto é importante, quando uma pessoa fala, ficarmos atentos à sua exposição de idéias e sentimentos. Assim, ele passou a chamar esse processo de be friend (a prática de ser amigo). A partir daí, todo o trabalho realizado pelos Samaritanos passou a ser voluntário. O mesmo ocorre no CVV.

PLANETA – O CVV, então, partiu justamente disso, do be friend dos Samaritanos?

Milton – Sim, de exercitar a prática de ser um amigo, um bom ouvinte, um ouvinte ativo. Há uma diferença entre o ouvinte ativo e o ouvinte passivo. O primeiro está totalmente atento e emocionalmente envolvido com o que o outro está dizendo; e o segundo simplesmente está escutando. O ouvinte ativo trava com o outro, através de um estado de atenção, um contato no qual ocorre um processo de relação diferente da normal.

PLANETA – Às vezes, porém, a pessoa está atenta, mas não consegue demonstrar isso claramente. Existe um treinamento para se aprender a forma correta de atendimento?

Milton – Sim, existe um longo treinamento. Enquanto voluntários no CVV, fazemos treinamento pelo menos uma vez por mês. O básico, no estado de atenção do ouvinte ativo, é justamente estar atento para a expressão dos sentimentos, não para a exposição dos problemas, simplesmente.

PLANETA – Há estudos que indiquem quantos suicídios são cometidos no Brasil anualmente?
Milton – Parece que sim, mas não temos muita informação e, tão pouco, acesso a eles. Na verdade, a partir de um determinado momento, o CVV passou a não usar números, como dados estatísticos, porque se percebeu que, no fundo, não temos o conhecimento correto dessa relação; não somos capazes de modificar as coisas tanto como gostaríamos. Apesar disso, constatamos claramente o resultado do trabalho de apoio do CVV. Hoje, o único dado estatístico que usamos é a quantidade de telefonemas que recebemos e, entre esses telefonemas, quais são os casos em que a pessoa nos chamou porque estava realmente precisando de apoio. Anualmente, recebemos em torno de 800 mil telefonemas. No ano passado, chegamos a cerca de 900 mil, somando todos os postos do Brasil. Parece que, com o aumento de divulgação, aumenta a solicitação do serviço.

PLANETA – Do total de chamadas, quantos realmente precisam de ajuda?

Milton – Algo em torno de 50%. Os outros 50% são telefonemas desligados, pedindo informações, enganos, trotes, etc.

PLANETA – Quais os motivos principais para alguém buscar a morte? Já foi traçado um perfil do suicida?

Milton – A maior parte das pessoas às quais o CVV procura dar apoio vive situações emocionais decorrentes de relacionamento afetivo que não está bem e se sente solitária.

PLANETA – Elas passam por problemas com a família, com o marido, a namorada, etc.

Milton – Isso. É claro que há pessoas que apresentam outras causas. Pessoas que sentem solidão são as que telefonam mais. De qualquer maneira, percebemos que a razão de uma pessoa se isolar é a sua dificuldade de relacionamento com os outros.

PLANETA – Qualquer pessoa é capaz de cometer suicídio?

Milton – O suicídio acontece com pessoas de personalidade rígida; ocorre menos nas pessoas novas e mais no sexo masculino. O sexo masculino comete mais suicídio; o feminino tenta mais.

PLANETA – Entre dez pessoas que se matam, oito acabam demonstrando a sua intenção. É possível distinguir o desejo real de morte de um simples desabafo de momento?

Milton – Considerando-se um grupo social como um todo, você nota que aí há uma pequena parcela das pessoas que cometem suicídio. Vamos denominá-las de grupo suicida; ao resto do grupo vamos chamar de pré-suicida. O CVV trabalha com essas pessoas fazendo a prevenção do suicídio. Existem indivíduos com potencial maior e outros com menor para cometer o suicídio; quando telefonam e conseguem desabafar, podem se aliviar da pressão suicida e passar para um estado de menor risco.

PLANETA – Mas, se essas oito pessoas que demonstram que vão se matar fossem levadas a sério, o suicídio não poderia ser evitado?

Milton – Depende de elas pedirem ajuda ou não. O indivíduo pode comunicar que está pensando em cometer o suicídio e não pedir ajuda.

PLANETA – Essa comunicação não é um pedido de ajuda?

Milton – É, mas esse pedido não acontece necessariamente conosco; pode acontecer com familiares ou amigos. Então, a pessoa pode dizer, por exemplo: “Ah! Eu estou cheio dessa vida!”, ou seja, tenho vontade de sumir. Isso pode ser uma comunicação de que ela não suporta mais a vida. Nesse caso, tudo vai depender do ouvinte; se ele tiver sensibilidade para perceber isso e souber como se relacionar com aquela pessoa, pode acontecer alguma coisa de positivo. Disponibilidade para ouvir, é muito importante. A maior parte das pessoas, quando escuta alguém reclamando ou procurando apoio, quer distância. Elas não querem se envolver, não querem ter problemas. Se houver certo grau de amizade, a abordagem, em geral, é do tipo: “Ah! Deixa disso, a vida é muito boa.” Ou: “Vamos mudar de assunto; não é bom conversar sobre essas coisas.” E a pessoa está precisando conversar, porque tem uma porção de coisas entaladas, e não há ninguém com quem falar. Ela está só.

PLANETA – Além do apoio por telefone, vocês atendem também pessoalmente e via carta. Como funcionam esses dois últimos serviços?

Milton – Sabendo o endereço dos postos, se a pessoa tiver interesse em ser atendida pessoalmente, ela pode procurar o CVV.

PLANETA – Isso não costuma criar problemas para os atendentes?

Milton – Todo atendimento do CVV sempre está envolvido com alguma possibilidade de problemas. Imagine, por exemplo, uma pessoa que estava com uma expectativa de ser atendida de uma certa maneira e não foi. Ela fica aborrecida com isso e pode até se zangar: “Puxa, vocês não falam nada, não vão dizer o que eu tenho de fazer?”

PLANETA – Chegam a acontecer, por exemplo, ameaças contra os atendentes?

Milton – É muito difícil. Quase sempre a relação dos voluntários com as pessoas que nos telefonam é muito boa.

PLANETA – Já existe algum estudo para se fazer esse atendimento via Internet?

Milton – Sim, existe. Já temos um posto em Santo André (SP) que está atendendo via Internet.

PLANETA – Quantos postos do CVV há em todo o País?

Milton – Quarenta e cinco, dos quais em torno de 30% estão nas capitais. Os outros 70% acham-se distribuídos pelo Brasil. No Estado de São Paulo temos oito postos na capital e em torno de 15 no Interior: Campinas, Piracicaba, Sorocaba, Moji das Cruzes, São José dos Campos...

PLANETA – Ou seja, quase metade dos postos do CVV estão no Estado de São Paulo. Por quê?

Milton – Porque o movimento começou aqui em São Paulo; depois, graças à proximidade entre as outras cidades e a capital, existe uma facilidade de comunicação e de apoio. É bem diferente você ir daqui até Ribeirão Preto, que são cerca de 400 quilômetros, e se locomover, por exemplo, de uma cidade do interior do Pará para Belém, onde há um posto. O pessoal de lá encontra muitas dificuldades para implantar nosso posto. A cidade mais próxima de Belém é Santarém: até lá são duas horas de viagem de avião.

PLANETA – Mas o contato pode ser feito através do telefone...

Milton – Pode, mas lá a comunicação de maneira geral é mais difícil.

PLANETA – O contato entre o atendente e o pré-suicida acaba, em geral, com a ligação telefônica. Isso não provoca nos voluntários uma certa apreensão?

Milton – Não, pelo tipo de relação que se tem telefonicamente; a gente percebe se houve um estado positivo depois dessa relação.

PLANETA – Em média, qual o número de pessoas atendidas pelos voluntários diariamente?

Milton – Em torno de 2.500 pessoas por dia. Se dividirmos esse número por 45 postos, a média de atendimento por posto é de 55 contatos. Na realidade isso não acontece em São Paulo, onde a quantidade de atendimentos é muito maior do que em Fortaleza, por exemplo.

PLANETA – Ao que parece, o hábito de se envolver com um trabalho voluntário – bastante comum nos Estados Unidos, por exemplo – vem, pouco a pouco, crescendo no Brasil. Vocês têm dificuldade em arregimentar voluntários?

Milton – No momento, está bastante difícil, apesar de a quantidade de voluntários se manter num mesmo patamar, que varia entre 2.000 e 2.500 voluntários em todo o Brasil. A cidade de São Paulo, há dez anos, está com 500 voluntários, distribuídos em oito postos. No passado, quando fazíamos um curso, por exemplo, no posto da Abolição, apareciam 100, até 150 candidatos a voluntários. Hoje, quando anunciamos um novo curso, aparecem 30, 35, e às vezes, no fim do curso, restam dois ou três candidatos.

PLANETA – Qual a duração desse curso?

Milton – A parte teórica tem duração de duas semanas e a parte prática (com estágio e treinamento), mais nove semanas.

PLANETA – Todos os dias?

Milton – Não, uma vez por semana. O estágio tem carga horária entre 21 e 27 horas; e as aulas práticas somam 12 horas.

PLANETA – O que leva alguém a se envolver em um trabalho de apoio a suicidas?

Milton – Existe a vontade de se fazer alguma coisa, de ser útil, de ajudar.

PLANETA – É comum o voluntário ter algum suicida na família?

Milton – Muitos têm, mas isso não é uma regra. É difícil definir por que alguém escolhe esse trabalho voluntário. Muitas vezes, a pessoa já ouviu falar do CVV, gostou do que ele faz, e pronto. Alguns voluntários, de fato, tiveram alguém da família que se matou e, por isso, assumiram um compromisso interno de trabalhar pela causa, para que isso não aconteça com outras pessoas.

PLANETA – Quais são os requisitos mínimos para alguém se candidatar a voluntário no Centro de Valorização da Vida?

Milton – Basicamente ter boa vontade, desejo de ajudar e ser maior de 18 anos.

PLANETA – Os pré-suicidas que procuram o CVV podem ser orientados para procurar um psicólogo ou um médico, por exemplo?

Milton – Não, por princípio, não fazemos orientações.

PLANETA – Vocês fazem um trabalho totalmente gratuito. No entanto, têm gastos para manter a infra-estrutura de atendimento. De onde vem a verba para as despesas do centro?

Milton – Nós, voluntários, a conseguimos. A despesa não é muito grande; basicamente consta de aluguel, impressos, material mínimo para limpeza, café, gasto com luz, etc.

PLANETA – Quantas horas o voluntário trabalha, normalmente, no CVV?

Milton – Quatro horas e meia por semana.

PLANETA – E isso se torna uma coisa obrigatória...

Milton – É uma atividade que deve ser assumida com responsabilidade. A obrigatoriedade que a pessoa tem é a responsabilidade que a instituição tem perante a sociedade de dizer-lhe: “Olha, nós estamos aqui; podem telefonar.” Se eu não vier e não conseguir um substituto para o meu lugar, o plantão estará vazio, sem ninguém para atender.

PLANETA – A quem é dado o direito de abrir um posto do CVV?

Milton – Qualquer grupo ou instituição que desejar. Nossos postos têm condições de dar todo apoio para que o novo núcleo possa se desenvolver. O CVV proporciona esclarecimentos, treinamento e material didático necessário para que um posto possa iniciar seus serviços para a prevenção do suicídio.

Fonte: http://www.terra.com.br/planetanaweb/flash/reconectando/agrandeteia/suicidio.htm

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